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domingo, 22 de novembro de 2009

UM RIO DE ATABAQUES

Um Rio de atabaques
Apesar da fama de Salvador, pesquisa mostra que existem mais terreiros de candomblé na Baixada Fluminense do que na Bahia

Foto: PEDRO AGILSON


Terreiro na Baixada: tradição africana e conscientização social
FRANCISCO ALVES FILHO
A geografia divulgada nas pinturas de Carybé, nos livros de Jorge Amado e nas canções de Caetano Veloso não deixa dúvida: a África do candomblé fica na Bahia. Reconhecimento justo para um Estado que deu o devido valor à cultura trazida pelos escravos, elevou mães-de-santo à condição de ídolos populares e faz festas do porte da lavagem da Igreja do Bonfim, auge do sincretismo religioso. Mas há um outro ponto no mapa do Brasil onde os atabaques são ainda mais numerosos e os orixás têm todo o espaço para se sentir em casa. De acordo com levantamento feito pelo Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (Cenarab), a Baixada Fluminense tem 3,8 mil terreiros contra apenas 1,2 mil na área de Salvador e do Recôncavo Baiano. "Esse é o número de terreiros que conseguimos visitar. Mas é provável que o número de centros na Baixada seja duas vezes maior", afirma o baiano Jairo Pereira, do Cenarab, que coordenou a pesquisa. Seguindo o critério da quantidade, há quem reivindique uma mudança nessa geografia sentimental. "A Baixada Fluminense é a pequena África brasileira", defende Beatriz Costa, 67 anos, a mãe-de-santo Beata de Iemanjá, de um tradicional terreiro em Nova Iguaçu.

Foto: PEDRO AGILSON


"Psicólogos e psicanalistas do mundo todo estão aqui, interessados no candomblé"
Gisele Binon,
Mãe Omin Darewá
Sem um escritor de peso para louvar seus costumes, sem um compositor para cantar seus rituais e na falta do charme histórico de Salvador, os adeptos do candomblé e da umbanda na Baixada professam a sua fé sem o alarde dos baianos. "Na Bahia, o controle sobre a criação de novos terreiros é maior. Por isso o número é menor", explica Jairo. Mas muitos terreiros da região seguem tradição centenária e alguns ainda cumprem seus rituais de acordo com os costumes do continente de origem. "As datas das festas em meu terreiro são marcadas de acordo com o período de colheita na África", explica Joaquim Motta, 62 anos, o pai-de-santo Joaquim de Omolu. Ator com pequenas participações em novelas da Rede Globo e dublador que ficou nacionalmente conhecido ao dar voz para o personagem-título da série Kojak, Joaquim usa o seu espaço, também localizado em Nova Iguaçu, para conscientizar os seus seguidores. Nos finais de semana, dá noções da história e da visão de mundo africana e ensina o ioruba, dialeto africano em que a religião é praticada. Seguidor da tradição do terreiro baiano Axé Opô Afonjá, ele não se incomoda em ver a Baixada Fluminense tão pouco comentada no meio religioso. "Aqui, as pessoas seguem a religião em silêncio, mas com sinceridade. Em Salvador, muita gente frequenta os terreiros apenas com olhos de turista."

Foto: PEDRO AGILSON


"Em Salvador, muita gente frequenta os terreiros apenas com olhos de turista"
Pai Joaquim de Omolu
A concentração de pais e mães-de-santo na Baixada vem de muito tempo. A região começou a receber os primeiros terreiros no início do século, mas a multiplicação se deu nos anos 30, quando os negros que moravam em enormes cortiços no centro do Rio começaram a ser empurrados para fora da cidade. "Houve uma reforma que demoliu os casarões e fez com que seus ocupantes, na maioria negros e nordestinos, se mudassem para lá", conta José Flávio Pessoa de Barros, doutor em antropologia e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. "Na mesma época, o governo da antiga capital federal promoveu uma caça a todas as manifestações culturais e religiosas que tivessem origem africana." A perseguição fez com que os terreiros se mudassem e a maioria acabou indo parar na Baixada. Esse isolamento geográfico tornou os terreiros ainda menos visíveis e evitou que o candomblé alcançasse entre os cariocas o mesmo prestígio conseguido na Bahia.
Apesar dessas dificuldades, os rituais da Baixada chamaram a atenção de intelectuais e estudiosos brasileiros e estrangeiros. Um deles, o escritor Albert Camus, nascido na Argélia, inclui no livro Diário de viagem o relato de uma incursão a um terreiro em Caxias, acontecida em 1949. "São cerimônias cujo propósito parece constante: obter a descida do deus em si, por meio de danças e cantos. O objetivo é o transe. (...) Caxias me faz pensar numa espécie de aldeia-exposição (...) Detemo-nos numa praça da aldeia, onde já se encontram uns 20 carros e muito mais gente do que imaginávamos." Ainda hoje os terreiros mais tradicionais da região são visitados por estudiosos de várias partes do planeta. Até há pouco tempo, o fluxo maior era de antropólogos e sociólogos. Agora é a vez dos psicólogos e psicanalistas. "Os ‘psi’ do mundo todo estão vindo aqui, interessados pelo candomblé", relata a francesa Gisele Cossard Binon, 74 anos, uma ex-diplomata e doutora em Antropologia pela Sorbone. Gisele é hoje uma mãe-de-santo – ou ialorixá, como ela gosta de ser tratada, em ioruba –, estabelecida na cidade de Caxias, que atende com o nome de Omin Darewá.

Foto: PEDRO AGILSON


"A Baixada Fluminense é a pequena África brasileira"
Mãe Beata de Iemanjá
Mesmo sendo branca e sem ascendência negra, Gisele faz questão de praticar o ritual como é celebrado na África, continente que conheceu graças ao trabalho diplomático de seu ex-marido. "Procuro não cair na tentação de inventar", afirma. Em 1972, ela chegou ao Brasil como conselheira pedagógica da embaixada francesa e três anos depois abria o seu próprio terreiro. "Enquanto trabalhava na diplomacia, evitava divulgação sobre minhas práticas religiosas. Havia um mistério sobre meu nome", conta. Hoje, ela é conhecida e citada em pesquisas e monografias de professores e estudantes da França, dos Estados Unidos e da Alemanha. Sua formação acadêmica ajuda os leigos a entender a essência do candomblé. "O que praticamos é uma religião, não uma feitiçaria. Os orixás são símbolos que assimilam e transmitem as forças da natureza", ensina.
Outra mãe-de-santo que costuma atrair visitas ilustres é Maria do Nascimento, a mãe Meninazinha de Oxum, que há 29 anos mantém seu terreiro em São João de Meriti. Em dezembro do ano passado, ela recebeu a escritora chilena Isabel Allende, que lhe pediu para fazer adivinhações através dos búzios. A escritora ficou maravilhada. "Voltarei em breve", prometeu. Uma das preocupações principais de mãe Meninazinha é a manutenção das tradições. Para valorizar o legado, criou um memorial, com objetos de antigas mães-de-santo e fotos de décadas atrás e instalou em seu espaço um consultório psicológico. "Enfrentamos a resistência do Conselho Regional de Psicologia, mas acabamos conseguindo a autorização para funcionamento."
Mãe Beata de Iemanjá é outra que tem atuação social. Faz parte do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, é integrante do Fórum Espiritual para a Paz Mundial e é filiada ao PT. "É indispensável ter uma atuação política, mas na hora da religião não quero saber de partidos", afirma. Tem em seu terreiro muitas plantas que o candomblé considera sagradas e até na hora dos rituais tem preocupação ecológica. "Oriento meus filhos a não deixar alguidares de barro ou garrafas de vidro nas matas. Eles devem apenas despejar os conteúdos, que são biodegradáveis." O problema é que a multiplicação silenciosa de terreiros na Baixada acabou favorecendo a atuação de muitas pessoas despreparadas, que celebram o ritual sem seguir nenhum preceito, com intuito de ganhar dinheiro. Mas líderes religiosos, como pai Joaquim, tentam organizar uma resistência da ala tradicional – sem esquecer nunca de defender a Baixada. "Na Bahia também acontecem distorções", alfineta.

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