Um Rio de atabaques
Apesar da fama de Salvador, pesquisa mostra que existem mais terreiros de candomblé na Baixada Fluminense do que na Bahia
Foto: PEDRO AGILSON
Terreiro na Baixada: tradição africana e conscientização social
FRANCISCO ALVES FILHO
A geografia divulgada nas pinturas de Carybé, nos livros de Jorge Amado e nas canções de Caetano Veloso não deixa dúvida: a África do candomblé fica na Bahia. Reconhecimento justo para um Estado que deu o devido valor à cultura trazida pelos escravos, elevou mães-de-santo à condição de ídolos populares e faz festas do porte da lavagem da Igreja do Bonfim, auge do sincretismo religioso. Mas há um outro ponto no mapa do Brasil onde os atabaques são ainda mais numerosos e os orixás têm todo o espaço para se sentir em casa. De acordo com levantamento feito pelo Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (Cenarab), a Baixada Fluminense tem 3,8 mil terreiros contra apenas 1,2 mil na área de Salvador e do Recôncavo Baiano. "Esse é o número de terreiros que conseguimos visitar. Mas é provável que o número de centros na Baixada seja duas vezes maior", afirma o baiano Jairo Pereira, do Cenarab, que coordenou a pesquisa. Seguindo o critério da quantidade, há quem reivindique uma mudança nessa geografia sentimental. "A Baixada Fluminense é a pequena África brasileira", defende Beatriz Costa, 67 anos, a mãe-de-santo Beata de Iemanjá, de um tradicional terreiro em Nova Iguaçu.
Foto: PEDRO AGILSON
"Psicólogos e psicanalistas do mundo todo estão aqui, interessados no candomblé"
Gisele Binon,
Mãe Omin Darewá
Sem um escritor de peso para louvar seus costumes, sem um compositor para cantar seus rituais e na falta do charme histórico de Salvador, os adeptos do candomblé e da umbanda na Baixada professam a sua fé sem o alarde dos baianos. "Na Bahia, o controle sobre a criação de novos terreiros é maior. Por isso o número é menor", explica Jairo. Mas muitos terreiros da região seguem tradição centenária e alguns ainda cumprem seus rituais de acordo com os costumes do continente de origem. "As datas das festas em meu terreiro são marcadas de acordo com o período de colheita na África", explica Joaquim Motta, 62 anos, o pai-de-santo Joaquim de Omolu. Ator com pequenas participações em novelas da Rede Globo e dublador que ficou nacionalmente conhecido ao dar voz para o personagem-título da série Kojak, Joaquim usa o seu espaço, também localizado em Nova Iguaçu, para conscientizar os seus seguidores. Nos finais de semana, dá noções da história e da visão de mundo africana e ensina o ioruba, dialeto africano em que a religião é praticada. Seguidor da tradição do terreiro baiano Axé Opô Afonjá, ele não se incomoda em ver a Baixada Fluminense tão pouco comentada no meio religioso. "Aqui, as pessoas seguem a religião em silêncio, mas com sinceridade. Em Salvador, muita gente frequenta os terreiros apenas com olhos de turista."
Foto: PEDRO AGILSON
"Em Salvador, muita gente frequenta os terreiros apenas com olhos de turista"
Pai Joaquim de Omolu
A concentração de pais e mães-de-santo na Baixada vem de muito tempo. A região começou a receber os primeiros terreiros no início do século, mas a multiplicação se deu nos anos 30, quando os negros que moravam em enormes cortiços no centro do Rio começaram a ser empurrados para fora da cidade. "Houve uma reforma que demoliu os casarões e fez com que seus ocupantes, na maioria negros e nordestinos, se mudassem para lá", conta José Flávio Pessoa de Barros, doutor em antropologia e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. "Na mesma época, o governo da antiga capital federal promoveu uma caça a todas as manifestações culturais e religiosas que tivessem origem africana." A perseguição fez com que os terreiros se mudassem e a maioria acabou indo parar na Baixada. Esse isolamento geográfico tornou os terreiros ainda menos visíveis e evitou que o candomblé alcançasse entre os cariocas o mesmo prestígio conseguido na Bahia.
Apesar dessas dificuldades, os rituais da Baixada chamaram a atenção de intelectuais e estudiosos brasileiros e estrangeiros. Um deles, o escritor Albert Camus, nascido na Argélia, inclui no livro Diário de viagem o relato de uma incursão a um terreiro em Caxias, acontecida em 1949. "São cerimônias cujo propósito parece constante: obter a descida do deus em si, por meio de danças e cantos. O objetivo é o transe. (...) Caxias me faz pensar numa espécie de aldeia-exposição (...) Detemo-nos numa praça da aldeia, onde já se encontram uns 20 carros e muito mais gente do que imaginávamos." Ainda hoje os terreiros mais tradicionais da região são visitados por estudiosos de várias partes do planeta. Até há pouco tempo, o fluxo maior era de antropólogos e sociólogos. Agora é a vez dos psicólogos e psicanalistas. "Os ‘psi’ do mundo todo estão vindo aqui, interessados pelo candomblé", relata a francesa Gisele Cossard Binon, 74 anos, uma ex-diplomata e doutora em Antropologia pela Sorbone. Gisele é hoje uma mãe-de-santo – ou ialorixá, como ela gosta de ser tratada, em ioruba –, estabelecida na cidade de Caxias, que atende com o nome de Omin Darewá.
Foto: PEDRO AGILSON
"A Baixada Fluminense é a pequena África brasileira"
Mãe Beata de Iemanjá
Mesmo sendo branca e sem ascendência negra, Gisele faz questão de praticar o ritual como é celebrado na África, continente que conheceu graças ao trabalho diplomático de seu ex-marido. "Procuro não cair na tentação de inventar", afirma. Em 1972, ela chegou ao Brasil como conselheira pedagógica da embaixada francesa e três anos depois abria o seu próprio terreiro. "Enquanto trabalhava na diplomacia, evitava divulgação sobre minhas práticas religiosas. Havia um mistério sobre meu nome", conta. Hoje, ela é conhecida e citada em pesquisas e monografias de professores e estudantes da França, dos Estados Unidos e da Alemanha. Sua formação acadêmica ajuda os leigos a entender a essência do candomblé. "O que praticamos é uma religião, não uma feitiçaria. Os orixás são símbolos que assimilam e transmitem as forças da natureza", ensina.
Outra mãe-de-santo que costuma atrair visitas ilustres é Maria do Nascimento, a mãe Meninazinha de Oxum, que há 29 anos mantém seu terreiro em São João de Meriti. Em dezembro do ano passado, ela recebeu a escritora chilena Isabel Allende, que lhe pediu para fazer adivinhações através dos búzios. A escritora ficou maravilhada. "Voltarei em breve", prometeu. Uma das preocupações principais de mãe Meninazinha é a manutenção das tradições. Para valorizar o legado, criou um memorial, com objetos de antigas mães-de-santo e fotos de décadas atrás e instalou em seu espaço um consultório psicológico. "Enfrentamos a resistência do Conselho Regional de Psicologia, mas acabamos conseguindo a autorização para funcionamento."
Mãe Beata de Iemanjá é outra que tem atuação social. Faz parte do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, é integrante do Fórum Espiritual para a Paz Mundial e é filiada ao PT. "É indispensável ter uma atuação política, mas na hora da religião não quero saber de partidos", afirma. Tem em seu terreiro muitas plantas que o candomblé considera sagradas e até na hora dos rituais tem preocupação ecológica. "Oriento meus filhos a não deixar alguidares de barro ou garrafas de vidro nas matas. Eles devem apenas despejar os conteúdos, que são biodegradáveis." O problema é que a multiplicação silenciosa de terreiros na Baixada acabou favorecendo a atuação de muitas pessoas despreparadas, que celebram o ritual sem seguir nenhum preceito, com intuito de ganhar dinheiro. Mas líderes religiosos, como pai Joaquim, tentam organizar uma resistência da ala tradicional – sem esquecer nunca de defender a Baixada. "Na Bahia também acontecem distorções", alfineta.
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