"Esta é uma figura muito controvertida do panteão africano. Ora perigosa e vingativa, ora praticamente desprovida de seus maiores poderes, relegada a um segundo plano amargo e sofrido, principalmente ressentido, Nanã possui não dois lados, como tantos Orixás, mas sim um Orixá dentro do outro, um conceito que foi sendo gradativamente substituído por outro, dando margem a muita confusão e contestação no jeito de se defini-la.
Nanã, é um Orixá feminino de origem daomeana, que foi incorporado há séculos pela mitologia ioruba, quando o povo nagô conquistou o povo do Daomé (atual República do Benin) , assimilando sua cultura e incorporando alguns Orixás dos dominados à sua mitologia já estabelecida.
Resumindo esse processo cultural, Oxalá (mito ioruba ou nagô) continua sendo o pai e quase todos os Orixás. Iemanjá (mito igualmente ioruba) é a mãe de seus filhos (nagô) e Nanã (mito jeje) assume a figura de mãe dos filhos daomeanos, nunca se questionando a paternidade de Oxalá sobre estes também, paternidade essa que não é original da criação das primeiras lendas do Daomé, onde Oxalá obviamente não existia. Os mitos daomeanos eram mais antigos que os nagôs (vinham de uma cultura ancestral que se mostra anterior à descoberta do fogo). Tentou-se, então, acertar essa cronologia com a colocação de Nanã e o nascimento de seus filhos, como fatos anteriores ao encontro de Oxalá e Iemanjá."
Do livro Os Orixás, publicado pela Editora Três
Registram-se 31 qualidades desta Yami Nla (Grande Mãe), sendo as mais conhecidas: Nene Adjaosi, Sussure e Buruku.
Lendas
...Disputa entre NANÃ BURUKU e OGUM
Nanã Buruku é uma velhíssima divindade das águas, vinda de muito longe e há muito tempo. Ogum é um poderoso chefe guerreiro que anda, sempre, à frente dos outros Imalés. Eles vão, um dia, a uma reunião. É a reunião dos duzentos Imalés da direita e dos quatrocentos Imalés da esquerda. Eles discutem sobre seus poderes. Eles falam muito sobre obatalá, aquele que criou os seres humanos. Eles falam sobre Orunmilá, o senhor do destino dos homens. Eles falam sobre Exú: "Ah! É um importante mensageiro!" Eles falam muita coisa a respeito de Ogum. Eles dizem: "É graças a seus instrumentos que nós podemos viver. Declaramos que é o mais importante entre nós!"
Nanã Buruku contesta então: "Não digam isto. Que importância tem, então, os trabalhos que ele realiza?" Os demais orixás respondem: "É graças a seus instrumentos que trabalhamos pelo nosso alimento. É graças a seus instrumentos que cultivamos os campos. São eles que utilizamos para esquartejar." Nanã conclui que não renderá homenagem a Ogum. "Por que não haverá um outro Imalé mais importante?" Ogum diz: "Ah! Ah! Considerando que todos os outros Imalés me rendem homenagem, me parece justo, Nanã, que você também o faça."
Nanã responde que não reconhece sua superioridade. Ambos discutem assim por muito tempo. Ogum perguntando: "Voce pretende que eu não seja indispensável?" Nanã garatindo que isto ela podia afirmar dez vezes. Ogum diz então: "Muito bem! Voce vai saber que eu sou indispensável para todas as coisas." Nanã, por sua vez, declara que, a partir daquele dia, ela não utilizará absolutamente nada fabricado por Ogum e poderá, ainda assim, tudo realizar. Ogum questiona: "Como voce fará? Voce não sabe que sou o proprietário de todos os metais? Estanho, chumbo, ferro, cobre. Eu os possuo todos." Os filhos de Nanã eram caçadores. Para matar um animal, eles passaram a se servir de um pedaço de pau, afiado em forma de faca, para o esquartejar. Os animais oferecidos a Nanã são mortos e decepados com instrumentos de madeira. Não pode ser utilizada a faca de metal para cortar sua carne, por causa da disputa que, desde aquele dia, opôs Ogum a Nanã.
Templo de Nanã Buruku em Dassa Zumê.
... praga ao velho rei
Nanã era considerada como a grande justiceira. Qualquer problema que ocorria em seu reino, os habitantes a procuravam para ser a juíza das causas. No entanto, Nanã era conhecida como aquela que sempre castigava mais os homens, perdoando as mulheres.
Nanã possuía um jardim em seu palácio onde havia um quarto para o eguns, que eram comandados por ela. Se alguma mulher reclamava do marido, Nanã mandava prendê-lo chamando os eguns para assustá-lo, libertando o faltoso em seguida.
Osalufã sabedor das atitudes da velha Nanã resolveu visitá-la. Chegou a seu palácio faminto e pediu a Nanã que lhe preparasse um suco com igbins. Oxalufã muito sabido fez Nanã beber dele, acalmando-a e a cada dia que passava ela gostava mais do velho rei.
Pouco a pouco Nanã foi cedendo aos pedidos do velho, até que um dia levou-o a seu jardim secreto, mostrando-lhe como controlava os eguns. Na ausência de Nanã, Oxalufã vestiu-se de mulher e foi ter com os eguns, chamando-os exatamente como Nanã fazia, ordenando-lhes que deveriam obedecer a partir dali somente ao homem que vivia na casa da rainha. Em seu retorno Nanã tomou conhecimento do fato ficando zangada com o velho rei. Foi então que rogou uma praga no velho rei que partir dali nunca mais usaria vestes masculinas. Por isso até hoje Oxalufã veste-se com saia cumprida e cobre o rosto como as deusas rainhas.
... nanã quer de volta
Dizem que quando Olorum encarregou Osalá de fazer o mundo e modelar o ser humano, o Òrìsà tentou vários caminhos. Tentou fazer o homem de ar, como ele. Não deu certo, pois o homem logo se desvaneceu. Tentou fazer de pau, mas a criatura ficou dura. De pedra, mas ainda a tentativa foi pior. Fez de fogo e o homem se consumiu. Tentou azeite, água e até vinho de palma, e nada. Foi então que Nanã veio em seu socorro e deu a Osalá a lama, o barro do fundo da lagoa onde morava ela, a lama sob as águas, que é Nanã. Osalá criou o homem, o modelou no barro. Com o sopro de Olorum ele caminhou. Com a ajuda dos òrìsà povoou a Terra. Mas tem um dia que o homem tem que morrer. O seu corpo tem que voltar à terra, voltar à natureza de Nanã. Nanã deu a matéria no começo mas quer de volta no final tudo o que é.
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