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segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Babalòrìsà e Ìyálòrìsà: Babalòrìsà e Ìyálòrìsà: o Sacerdócio Igualitário no Candomblé

Ao longo dos anos, o pensamento de que o homem possui uma importância menor no Candomblé frente à mulher, foi muito difundido. Isso foi reforçado, pelo fato de muitos terreiros tradicionais, durante décadas, não iniciarem homens Adosù e, permitindo que a única figura masculina nas Casas de Candomblé, fosse a dos Ogans (não Adosù). Muitos creem que o surgimento dos homens Adosù e Babalòrìsàs, foi fruto de uma mudança cultural, ocorrida nos últimos 20 anos. Sobre isso, o objetivo desta publicação é elucidar que, em verdade, tanto o homem quanto a mulher possuem o mesmo grau de importância no Candomblé. É ainda, esclarecer que, a figura do Sacerdote Homem (Babalòrìsà) existe desde a fundação da Religião no Brasil e, muito antes disso, no próprio berço da cultura dos Òrìsàs, a África. Antes de tudo, é importante salientar que não é o sexo que difere a importância de uma pessoa na Religião dos Òrìsàs, mas sim, o grau hierárquico que essa pessoa possuí. Assim, o que confere a uma pessoa a distinção hierárquica na sociedade religiosa, é o título sacerdotal e não o sexo. A estrutura do Candomblé do Brasil foi fundamentada e edificada, tendo como a figura máxima do terreiro àquele que zela pelo Òrìsà, que em idioma yorùbá é a Ìyálòrìsà ou Babalòrìsà (Mãe ou Pai que zela pelo Òrìsà). Na África, por exemplo, existe a figura do Arabá, título masculino não existente nos tradicionais Terreiros de Candomblé da Bahia. A consagração de uma Ìyálòrìsà ou Babalòrìsà ocorre da mesma forma, sendo necessários os mesmos predicados para ambos. Sendo eles: Iniciado (Adosù), ter concluídos as obrigações de 1, 3 e 7 anos e, principalmente, ter recebido essa missão pelo Òrìsà (ou seja, isso deve estar no seu destino e não em sua vontade e como já discorrido em nossas publicações, somente a obrigação de 7 anos, não confere à ninguém o cargo de Sacerdote/Sacerdotisa). Dessa forma, quando um homem recebe um título de Babalòrìsà ele está em igual posição sacerdotal de uma Ìyálòrìsà (não há distinção). O que existe em nossa religião, é a condição cronológica ou como versado nos Terreiros aqui de Salvador “Idade é Posto”. No entanto, esse ditado se refere quando ambas as pessoas (independente do sexo) possuem o mesmo título Sacerdotal (posto). O Sacerdote/Sacerdotisa, possuí posição igualitária, no entanto, o mais velho sempre terá o maior respeito (nessa visão a idade prevalece). No início da abordagem desse tema, mencionamos que o Sacerdote homem, existe desde a fundação da Religião no Brasil e mesmo antes, na África. No berço da cultura dos Òrìsàs, sempre existiu a figura do Babalòrìsà, do Babalawo e do Arabá (supremo sacerdote masculino). No Brasil, contrário do que muitos acreditam, a figura masculina sempre existiu e com grande destaque. Na fundação das mais antigas e tradicionais Casas de Candomblé os homens (Sacerdotes) estavam presentes, com importância singular na formação desses Terreiros. Podemos exemplificar, com alguns dos nomes mais venerados e ainda hoje reverenciados nos Ipade dos Candomblés da Bahia, tais como; Gbongbose Obitiko e Baba Asesu Bérégédé (que tiveram importância singular na fundação do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho), Okarinde (no Terreiro do Gantois) e Oje Lade – Martiniano Eliseu do Bonfim, no Ilé Asè Opo Afonjá. Isso, sem mencionar Talabí, o fundador do Terreiro de Òsùmàrè e, por exemplo, o aclamado Manoel Bernadino da Paixão, que fundou o Terreiro do Bate-Folha. Isso evidencia de forma muito clara, que o homem sempre esteve presente no Candomblé da Bahia. Fato é que, na Bahia, as mulheres negras, tiveram ascensão social mais precoce que os homens, contribuindo de forma decisiva para o seu posicionamento religioso. As mulheres, antes dos homens, conseguiram acumular bens (na grande maioria das vezes, em razão da venda em escala de quitutes), permitindo-lhes a edificação dos Terreiros. Para os homens esse processo foi tardio, contribuindo para o cenário de distinção. Apesar dessa diferença social à época, a importância do Sacerdote masculino sempre existiu, prova disso, conforme mencionado anteriormente é a evocação desses nomes no Ipade. Lembrando que, os ancestrais (Esá) saudados nessas cerimônias, invariavelmente são de pessoas iniciadas (Adosù), sejam elas mulheres, sejam homens, como os já mencionados; Esa Oburo, Esa Asesu Bérégéde, Esa Okarinde, Esa Danjemi, dentre muitos. Desse modo, podemos afirmar que, no Candomblé, não existe diferença de grau sacerdotal em razão do sexo. Existem sim, alguns cultos específicos que a liderança masculina ou feminina prevalece à outra, mas isso, em cultos específicos, tais como Egúngún, no qual o homem é o Sacerdote Supremo (Alapini) ou nas Sociedades de Culto às Ìyàmì, Òsun ou Obà (Eleeko), nas quais as mulheres são as grandes matriarcas. Assim sendo, podemos dizer que o Candomblé talvez seja, uma das poucas religiões, na qual o homem e mulher, desde que com o mesmo titulo hierárquico, possuem a mesma importância diante do clero. Mostrando que, há séculos, já pregamos a igualdade. Nós do Terreiro de Òsùmàrè, esperamos uma vez mais, ter contribuído com o esclarecimento da cultura dos Òrìsàs no Brasil.

O Culto aos Ancestrais e a Reencarnação no Candomblé, fundamentos da Casa De Oxumarê

Hoje vamos discorrer sobre o culto aos ancestrais (Egúngún), por sua vez liderado por homens. Na religião dos yorùbás, cremos que há vida após a morte e que os mortos podem retornar à terra através do Culto à Egúngún. De forma muito resumida, podemos afirmar que há o culto aos ancestrais “Lese Òrìsà” e o culto aos ancestrais “Lese Egúngún”. O primeiro é realizado nos terreiros de Candomblé – no Ilé Ibó Aku (casa de adoração aos ancestrais), em que os Sacerdotes de Òrìsà cultuam os ancestrais do terreiro, sem que exista a manifestação física desse ancestre. Esses ancestrais chamados de Esá são louvados e evocados em rituais como o Ipade e em cerimônias dedicadas à ancestralidade da Casa de Candomblé. O segundo, por sua vez, ocorre nos chamados Terreiros de Egúngún, em que o Sacerdote do culto a Egúngún (Alapini, Alagbá e Ojé) cultuam além dos ancestrais daquele terreiro e da família, os ancestrais patronos de cidades inteiras, como ocorre, por exemplo, com Baba Ologbojo, patrono da cidade de Ogbojo na África, ainda hoje cultuado nos Terreiros de Egún da Ilha de Itaparica. Além disso, esses Sacerdotes, trazem à terra, esses Egúngún de forma física, ricamente vestidos com roupas coloridas. Um Itán de Ifá, narra que na cidade de Oyo (África), existia um fazendeiro chamado Alapini. Esse fazendeiro tinha três filhos (Ojewuni, Ojesami e Ojerinlo). Certo dia, Alapini fez uma viagem e recomendou aos filhos que não comessem um tipo especial de inhame, haja vista ele deixar as pessoas com uma sede desmedida. Os filhos ignoraram a advertência e comeram em excesso o aludido inhame. Como já anunciado pelo Alapini, eles tiverem uma sede imensurável e beberam água até a morte. Quando do seu retorno, o Alapini deparou-se com seus filhos mortos e resolveu procurar um Babalawo. Através do jogo de Ifá, o Babalawo disse que no décimo sétimo dia da morte de seus filhos, o Alapini deveria ir até um bosque que havia perto do rio e pegasse um galho de Àtòrì. Nesse bosque ele deveria bater no chão três vezes o Isan (o bastão feito da árvore Àtòrì) e pronunciar certas palavras mágicas e chamar pelos nomes dos filhos "wa de" (venha), na terceira vez os filhos retornariam à terra e assim aconteceu. Por isso, o sumo sacerdote do culto aos ancestrais é chamado de Alapini, pois o fazendeiro de nome análogo foi o primeiro homem a materializar um ancestral no aye. Diferente do culto a Ìyàmì, no qual, as mulheres são as grandes líderes, no culto à Egúngún, a liderança pertence aos homens. Há uma antiga história de Ifá, que nos explica a razão disso. À época dos Òrìsàs, os homens eram os líderes de tudo. As mulheres, no entanto, resolveram punir os homens, mas sem nenhum critério ou limite, abusando desta decisão, humilhando-os. Yansan era a líder dessas mulheres revolucionárias que se reuniam em uma floresta. Oya havia domado e treinado um macaco marrom chamado Ijimere, utilizando para isso, um isan (galho da árvore "Àtòrì". Oya vestia o macaco com uma roupa feita de várias tiras de pano coloridas, de modo que ninguém via o macaco sob os panos. Conforme Oya batia o isan no solo, o macaco pulava de uma árvore para outra, movimentando-se de forma alucinante, como fora treinado por Oya. Deste modo, durante à noite, quando os homens por lá passavam, as mulheres que estavam escondidas, faziam o macaco aparecer e eles fugiam totalmente apavorados, pois acreditavam estar vendo um Egúngún. Cansados de tanta humilhação, os homens foram consultar Ifá através de um babaláwo, a fim de descobrir a causa de tamanha injúria. Através do jogo de Ifá, a farsa das mulheres foi desvendada. Ifá recomendou aos homens, alguns sacrifícios, sendo Ògún, o encarregado de reverter o cenário imposto pelas mulheres. Quando Ògún chegou ao local das aparições, vestiu-se com vários panos coloridos, ficando totalmente encoberto, escondendo-se atrás de uma árvore. Quando as mulheres chegaram, ele apareceu subitamente, correndo, berrando e brandindo sua espada pelos ares, todas as mulheres fugiram assustadas, inclusive Oya. A partir desse dia, os homens dominaram as mulheres e as expulsaram para sempre do culto aos ancestrais. No entanto, Oya Igbale, continua sendo a Divindade que os Egúngún respeitam. Muitos desacreditam da manifestação dos ancestrais e isso aconteceu até mesmo com os Òrìsàs. Outra história de Ifá, narra que após o Alapini ter evocado presencialmente os seus filhos já falecidos, Sàngó mandou lhe chamar, pois não acreditava que os mortos podiam voltar do além. Como Sàngó era o grande Rei de Oyo, o Alapini foi prontamente ao palácio, quando chegou lá, Sàngó disse que iria prender Alapini, pois ele dizia que tinha o poder de trazer os mortos do além e isso era uma grande mentira e que se ele realmente conseguia fazer isso, que fizesse diante dos olhos de Sàngó. Alapini respondeu que não poderia evocar os ancestrais diante de Sàngó, mas que sim era possível trazer os mortos do além. Sàngó então mandou que construíssem um quarto dentro do palácio e vistoriou toda a edificação, garantindo que não havia ninguém dentro dela. Sàngó pediu para que o Alapini entrasse no quarto e que se ele tinha realmente esse poder, ele evocasse os ancestrais lá dentro, pois Sàngó tinha certeza que não havia mais ninguém lá. Alapini pediu algumas coisas, como panos, espelhos e um Isan (a grande vara de atori). Sàngó pessoalmente entregou tudo ao Alapini, certificando-se que não havia truques. Feito isso, Sàngó trancou a porta e ordenou que Alapini evocasse os ancestrais. Pouco tempo depois, uma voz rouca começou a sair do quarto. Sàngó irritado, disse que se aquilo fosse um truque, o Alapini seria morto. Passado mais um tempo, o Alapini pediu que abrissem a porta, quando Sàngó abriu, saíram de lá o Alapini e Egúngún, vestido com os panos e espelhos preparados pelo Alapini. Diante disso e impressionado, Sàngó instituiu o culto aos ancestrais em Oyo (seu reinado) e, a partir desse dia, todos os Alaafin (rei de oyo), são empossados pelo Alapini, pois é ele que conhece a ancestralidade de Sàngó. No Candomblé, o culto aos antepassados é tão importante que, mesmo antes de louvarmos os Òrìsàs, devemos render homenagens aos ancestrais, isso é ainda mais saliente nas casas antigas, em que já houve mais de um Sacerdote, sendo que o líder atual, sempre reverenciará aqueles que o antecederam. Nesse sentido, acreditamos que, quando uma Ìyálòrìsà ou Babalòrìsà falece, ele também servirá como conselheiro para os que o sucederão, no entanto, como ancestral, sendo muitas vezes consultado por meio do oráculo. Há um antigo provérbio yorùbá que diz: “Você só completará a sua missão, se cumprir a missão dos seus antepassados”. Como exposto acima, no Candomblé nós acreditamos na vida além da morte, em verdade, cremos que a morte é o renascimento para todos. Nós cremos que, quando uma pessoa morre, ela parte para um dos espaços Orùn, a depender da sua conduta no Ayè (que também é considerado um dos Orùn, para os yorùbá). Acreditamos na existência do Orun Rere (reservado para as pessoas que tiveram uma conduta exemplar no Aye), o Orun Alafia (local de grande paz e harmonia), o Orun Funfun (local da pureza), o Orun Baba Eni (local no qual cremos que residem os Sacerdotes), Orun Isalu (local onde as pessoas serão julgadas), Orun Apadi (local ruim, das coisas que não serão reparadas e que não serão restituídas à vida através da reencarnação), o Orun Buruku (o pior espaço, para onde vão as pessoas más) e o Orun Afefe (onde os espíritos permanecem e tudo é corrigido, e lá ficarão até serem reencarnados). Desse modo, nós também acreditamos na reencarnação (Atunwa), mas como vimos, nem todos serão reencarnados. A viagem da vida (Ajolaiye) em sua amplitude, não é concedida a todos, mas quando isso ocorre, cremos que seja na mesma família. No Candomblé, quando existe a reencarnação, essa ocorre invariavelmente no mesmo seio familiar daquele que faleceu. Nesse sentido, essa “sentença” de nascer na mesma família, serve como “premio” ou “punição”. Quando uma pessoa atingiu seu papel no aye, de forma benéfica, ele certamente contribuiu para a edificação de sua família, assim sendo, quando ele retornar para essa família, ele estará retornando para um ambiente que ele mesmo contribuiu para que fosse bom e isso será considerado um prêmio ancestral. No entanto, se ao invés disso, ele tenha causado problemas à sua família, ele retornará para um ambiente que ele contribui para que não fosse bom, sendo assim uma punição, no entanto, com uma oportunidade de virar o jogo. Na África, essas crianças reencarnadas são descobertas pelo oráculo logo quando do seu nascimento, recebendo nomes que evidenciam isso, como por exemplo, “Babatunde” (o pai retornou). Há um itan de Ifá, que discorre que uma pessoa só descansará eternamente no Orun, caso ela já tenha conseguido realizar todas as coisas boas que ela tinha que realizar no Ayé. Somente após isso ele poderá descansar, caso contrário, ela retornará ao Aye (Atunwa), para cumprir a sua missão. Isso tem como objetivo, atingir o equilíbrio máximo entre os Orun e Aye. Nós da Casa de Òsùmàrè, esperamos ter novamente contribuído para o esclarecimento da nossa cultura. Que Òsùmàrè Aràká, o grande patrono da nossa família, continue olhando e abençoando todos. Terreiro de Òsùmàrè

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